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Tentando dar alguma razão à emoção do futebol

11 de jul. de 2006

Balanço e gangorra

escrito por Raphael Perret @ 00:27


Zidane é expulso pelo árbitro Horacio Elizondo na final da Copa de 2006: cena emblemática da mediocridade do Mundial, na qual os craques se apequenaram


Nenhuma outra Copa registrou fatos tão esquecíveis como esta de 2006. Vamos lá, me diga um jogo memorável, um grande craque da Copa, ou qualquer outra coisa boa deste Mundial que será lembrada daqui a 25 ou 50 anos.

Jogos. A classificação da Itália sobre a Alemanha? Talvez. Entra pra história mais pela carga emocional do que pelo valor técnico (apesar dos dois gols bonitos da seleção campeã). Fora esta, as outras partidas foram muito maçantes. Inclusive a final. Quando a Itália empatou com a França, acreditei, tolamente, que o jogo esquentaria. Mas não. A Azzurra se encolheu de vez, trazendo o adversário para o seu campo, sem investir nos contra-ataques. E a França, mesmo com o domínio do jogo, tinha enormes dificuldades em tramar algo ofensivo, vertical. Uma inaptidão só.

Em todas as partidas, os ataques eram fracos e insípidos, errando chutes fáceis e trombando com zagas consistentes, claros focos de preferência dos técnicos, cada vez mais medrosos e defensivistas. A marcação acirrada foi uma das tônicas da Copa. Porém, mais evidente, foi o temor de atacar, a abulia e a falta de ousadia os atributos que marcaram o futebolzinho medíocre desta Copa.

Craques. Todas as promessas de melhor jogador da Copa murcharam. Quando um grande jogador saía da competição ou demonstrava que não ia brilhar mesmo, outro surgia, mas logo seguia o mesmo caminho. Ronaldinho Gaúcho, apático e indolente, irritou pelo seu semblante dúbio, incapaz de sinalizar alegria ou tristeza. Beckham fugiu da raia e pipocou no decisivo jogo contra Portugal. Ballack foi um simples coadjuvante da seleção alemã, que destacou, comedidamente, Podolski, Lehmann e Klose. Figo cansou em quase todos os jogos do time português. O próprio Totti, principal atleta da seleção campeã, sumiu. E, quando Zidane parecia ter o rumo desimpedido para ser o dono do Mundial, cometeu aquela tolice na decisão. Foi a Copa que apequenou os craques, tão encantadores em seus clubes, tão decepcionantes na maior vitrine do futebol mundial.

O próprio artilheiro da Copa, Miroslav Klose, não encantou, uma vez que foi o goleador que menos marcou numa Copa desde 1962. E as revelações? Podolski não fez nenhuma jogada inesquecível. Cristiano Ronaldo fez firulas, mas foi, no fim das contas, pouco objetivo. Messi e Robinho, ao menos, podem dizer que pouco jogaram. A Alemanha foi, definitivamente, a sede de um Mundial de poucos produtos, poucos resultados, pouca memória.

***

Até o presidente da Fifa, Joseph Blatter, deve ter achado essa Copa muito chata, a ponto de sugerir mudanças nas regras, como o aumento das medidas do gol. Engraçado que as metas sempre tiveram as mesmas dimensões nas décadas anteriores e, mesmo assim, havia placares mais recheados.

Aumentar as balizas pode até ajudar, mas no fundo é uma medida inócua. Os chutes estão saindo muito ruins, longe mesmo do gol. Não são os goleiros que estão trabalhando mais. Os atacantes é que estão descalibrados. Os clubes têm que investir é em treinamento, mesmo. Ainda assim, qualquer providência da Fifa visando ao aumento do número de gols será bem-vinda. Que esta Copa sirva de alerta.

***

Segue, aqui, um balanço geral das seleções que participaram desta Chatice-2006. E uma gangorra, com quem subiu e quem desceu.

ALEMANHA - fez o que pôde com o time que tem. Em casa, os jogadores apresentaram raça e vontade de vencer, encontrando eco na animadíssima torcida. Ao contrário do que se imaginava, não recebeu ajuda da arbitragem.

ARGENTINA - não chegou a decepcionar exatamente, já que foi eliminada para uma seleção tradicional e que era anfitriã. Mas tinha plenas condições de chegar mais longe. Empolgou nos dois primeiros jogos, caiu em seguida e seu técnico, Jose Pekerman, a eliminou contra a Alemanha, ao fazer substituições terríveis numa partida que vencia por 1 a 0.

AUSTRÁLIA - uma das seleções que voltam para casa com saldo positivo. Obteve uma classificação inédita para a segunda fase e engrossou o jogo das oitavas com a Itália, que só passou graças a um pênalti polêmico no fim do segundo tempo. Em contrapartida, deixou também a má impressão de time violento, revelada nos jogos preliminares à Copa.

BRASIL - não preciso ser brasileiro para dizer que este foi o time que mais decepcionou os espectadores da Copa do Mundo. Se França e Argentina causaram a mesma sensação em 2002, ficou com o Brasil a tarefa de desmistificar a superioridade de sua seleção. Numa Copa de poucas (ou nenhuma) zebras, o Brasil conseguiu reunir um elenco fantástico e não convencer em nenhuma partida, com exceção do confronto com o Japão. O time participou da maioria dos jogos sem vontade, o técnico pouco fez para mudar o andamento das partidas, jogadores com muita idade ou com muito peso eram intocáveis, a soberba era nítida e nem na eliminação os atletas pareceram incomodados ou assumiram sua culpa. Uma sucessão de erros que deixou a torcida brasileira frustrada (com a saída prematura) e irritada (com a apatia do time).

CORÉIA DO SUL - pronto, bastou sair de casa para a Coréia do Sul retornar ao tradicional papel de coadjuvante em Copas. Uma vitoriazinha enganadora sobre Togo, um empate suado contra a França e uma amarelada diante da Suíça. Só mesmo quando sediar outra Copa a Coréia repete ou supera o quarto lugar de 2002.

COSTA DO MARFIM - mostrou alguma qualidade. Partiu pra cima de Argentina e Holanda e valorizou a vitória dos adversários. Se tivesse caído num grupo menos difícil, poderia até se classificar. Afinal, num jogo que não valia nada, lutou contra Sérvia e Montenegro, venceu um jogo por 3 a 2, após estar perdendo por 2 a 0, e conquistou sua primeira vitória em Copas. Pena que já havia perdido duas vezes na competição.

EQUADOR - consagrou-se definitivamente como a terceira força do futebol sul-americano. Só precisa libertar-se do "complexo de vira-lata", único motivo que explica a postura covarde diante de Alemanha e Inglaterra. O medo ficou evidente no confronto das oitavas diante do time de Beckham, quando jogou muito recuado. Tivesse um pingo a mais de coragem, o Equador chegaria às quartas-de-final.

ESPANHA - a Portuguesa ou o América das Copas do Mundo: nada, nada, nada... e mal morre na praia, porque nunca foi muito longe mesmo. Seu time renovado deu alguma esperança aos torcedores espanhóis ao cumprir uma primeira fase com 100% de aproveitamento, com direito a goleada e vitória de virada. Entretanto, bastou enfrentar uma seleção mais arrumadinha para sucumbir com um 3 a 1. No máximo, a Espanha é a líder do segundo escalão do futebol europeu.

FRANÇA - seu joguinho de muita posse de bola com posicionamento recuado, acreditando nos lançamentos longos para Henry ou lances de bola parada funcionaram na fase mata-mata. Com uma eficiente e burocrática estratégia, eliminou Espanha, Brasil e Portugal, além de sair na frente na decisão com a Itália. Um futebol ofensivamente pobre, que cresceu com os lampejos de Zidane. O craque, aliás, pouco fez ao longo da Copa, mas os 10% de seu repertório (quase 100% no jogo contra o Brasil) foram suficientes para destacá-lo dos demais no Mundial. Seu epílogo, porém, foi desastroso, com a agressão ridícula em Materazzi e parcialmente responsável pelo vice-campeonato da França, que dominava o jogo contra a Itália. Melhor que, na história, será destacado como o Bola de Ouro da Copa, com justiça.

GANA - é um bom time, que tirou a vaga da República Tcheca para as oitavas. Entretanto, tem dois defeitos gravíssimos. Primeiro: bate muito. Foi o time de maior média de faltas por jogo da Copa. Segundo: não sabe chutar. Organiza boas jogadas, os atacantes surgem na cara do gol várias vezes e a bola pára nas mãos do goleiro ou nas nuvens. Uma melhor pontaria daria a Gana uma chance de não perder para a Itália e, quem saberia, um caminho diferente no Mundial, evitando o Brasil logo na segunda fase.

HOLANDA - o time carrega o nome de uma seleção tradicional, mas não correspondeu às expectativas. Deu pro gasto nas vitórias sobre Sérvia e Montenegro e Costa do Marfim. Foi eliminada nas oitavas, na já famosa "batalha de Nuremberg", patético confronto com Portugal que resultou em quatro expulsões e no qual até abandonou os princípios do fair play.

INGLATERRA - outra desilusão. O time, acreditem, era bom, com um meio-campo talentoso composto por Beckham, Lampard, Gerrard e Joe Cole. O ataque prometia, com Michael Owen e Wayne Rooney. A defesa era forte, como reza a tradição britânica. Acontece que Owen foi peça nula até deixar a Copa machucado e Rooney só foi visto ao ser expulso nas quartas. Quanto ao meio-campo inglês, apesar do bom toque de bola, insistiu a Copa inteira nos famosos chuveirinhos e nos chutes de longa distância. Os petardos de fora da área até assustavam, mas os cruzamentos eram inofensivos diante de times retrancados. Passivo, o técnico Sven-Goran Eriksson foi incapaz de recomendar aos jogadores tentativas de tabelas pelo meio. Deu no que deu.

ITÁLIA - quietinha, a Itália superou seus adversários sem exibir um futebol vistoso, e sim uma estratégia eficaz, simples e convencional. Pra variar, a Azzurra jogou atrás, garantindo-se na excelente defesa, e explorando os contra-ataques. Desta vez, o ataque italiano tinha bons jogadores e partia em bloco, aumentando o grau de perigo de suas investidas. Assim, superou Gana e República Tcheca. Contra a Austrália, foi incapaz de partir pra cima nos contragolpes, mas teve a sorte de ganhar um pênalti no finalzinho. Depois do passeio contra a Ucrânia, deixou a Alemanha se cansar para aniquilá-la na prorrogação, com um time surpreendentemente ofensivo, quando as circunstâncias faziam imaginar uma postura mais hesitante. Na final, correu atrás do gol de empate, mas não teve pernas para tentar virar o jogo, deixando o tempo passar e torcendo para o momento dos pênaltis, que nunca fizeram bem à Itália em Copas. A história, no entanto, mudou e a Azzurra é tetracampeã mundial.

MÉXICO - um time que regrediu ao longo do tempo. Demonstrou alguma evolução na última década, mas não exibiu um bom futebol nesta Copa. Por pouco não perde a vaga de seu grupo para Angola, com quem empatou em 0 a 0, numa das (forçadas) zebras do Mundial. E, tal qual o Equador, preferiu jogar na defesa contra a Argentina e tentar uma classificação para as quartas nos pênaltis. Sofreu um belo castigo, que foi o golaço de Maxi Rodriguez.

PARAGUAI - se o panorama não mudar, corre o risco de não se classificar para a África do Sul. Foi um time tacanho, com um ataque extremamente nulo contra a Inglaterra e a Suécia, entregando jogos que não eram difíceis. Embora tenha tido azar contra os britânicos, que venceram com gol contra de Gamarra, o Paraguai não merecia vencer o jogo. Enquanto nas duas Copas anteriores o time passou da primeira fase e foi eliminado por seleções finalistas, em 2006 o Paraguai saiu do Mundial porque quis.

PORTUGAL - a maior surpresa da Copa, o que não significa que tenha sido sensacional ou envolvente. Não apresentou um futebol diferente dos demais, e só foi "surpresa" porque é um time sem tradição em Mundiais. Mas o técnico Luiz Felipe Scolari injetou aplicação nos jogadores, que corresponderam e classificaram o time sem sustos na primeira fase. O mata-mata revelaria as dificuldades de Portugal: a instabilidade emocional, que transformou o jogo contra a Holanda num mico histórico; a inexperiência, que impediu uma vitória tranqüila sobre uma Inglaterra com um a menos; a limitação técnica, incapaz de superar uma França sem muitos recursos. Restou a Portugal a decisão do 3º lugar, perdida para uma Alemanha raçuda. Sem problemas: o time português de 2006 entra para a história do futebol de seu país com plena honradez.

REPÚBLICA TCHECA - mais uma decepção. Passeou contra os Estados Unidos e exibiu um Nedved em grande fase. Porém, o talento do jogador foi insuficiente para fazer o time avançar às oitavas, caindo para Gana e Itália de forma até fácil.

SUÉCIA - sempre teve times técnicos, mas seus principais jogadores de hoje, Larsson e Ibrahimovic, estiveram na Alemanha a passeio. Assim, a Suécia classificou-se com alguma dificuldade e não agüentou a pressão do time da casa logo nas oitavas.

SUÍÇA - pela primeira vez, um time termina uma Copa sem sofrer um mísero gol. Não deixa de ser um mérito. Pena que a insípida seleção Suíça também não saiba marcar gols, nem de pênaltis. Foi eliminada pela Ucrânia nas oitavas por 3 a 0 nas cobranças finais, depois de um chatérrimo empate sem gols durante 120 minutos. Cá entre nós, alguém vai se lembrar do exuberante futebol suíço, dono de um ferrolho intransponível? Blé...

UCRÂNIA - legal, primeira participação em Copas, eliminada pela campeã Itália nas quartas-de-final... Talvez o povo de Kiev tenha comemorado. Mas a exibição do futebol ucraniano foi uma lástima. Perdeu de 4 a 0 para a Espanha, enfrentou babas como Arábia e Tunísia, produziu aquela peça horrorosa em conjunto com a Suíça e foi eliminada categoricamente pela Azzurra por 3 a 0. Ao contrário de Coréia do Norte em 1966 e Senegal em 2002, que fizeram boas campanhas em suas primeiras Copas e justificaram suas colocações, a Ucrânia foi longe em 2006 com a impressão de que foi... longe demais.

ANGOLA, ARÁBIA SAUDITA, COSTA RICA, CROÁCIA, EUA, IRÃ, JAPÃO, POLÔNIA, SÉRVIA E MONTENEGRO, TOGO, TRINIDADE E TOBAGO e
TUNÍSIA
- obrigado pela participação. Voltem sempre.

3 Comentários:

Em 14:45, Blogger Daniel F. Silva falou...

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

 
Em 14:52, Blogger Daniel F. Silva falou...

De fato, talvez somente a Copa de 1990 tenha mais fatos esquecíveis que esta de 2006. Este foi o Mundial dos técnicos medrosos, dos astros decepcionantes e, ao menos, de uma tímida tentativa de enterrar o "futebol de resultados" - causada, ironicamente, pela mesma Itália que a iniciou em 1982. Este marco foi a prorrogação da semifinal contra a Alemanha. Pelo que se viria na final contra a França, essa tentativa não foi bem sucedida...

P.S.: Você ainda vai falar sobre a Copa de 2002?

P.S. 2: No balanço, ficou faltando o Japão...

 
Em 14:57, Blogger Raphael Perret falou...

1) Sim, vou falar. Totalmente descontextualizado, mas tudo bem.

2) Estava faltando... :)

 

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