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Tentando dar alguma razão à emoção do futebol

6 de jul. de 2006

As Copas que vivi (IV) - 1998

escrito por Raphael Perret @ 23:26


Ronaldo e Ronald de Boer se enfrentam na semifinal histórica entre Brasil e Holanda: jovens inexperientes sem comunicação com veteranos em má fase resultaram em um time obtuso


Durante a maior parte dos eventos relacionados à Copa de 1998, a faculdade estava presente de alguma forma. Soube do corte de Romário e da convocação de Emerson na entrada do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, da UFRJ, na Ilha do Fundão. Cinco dos sete jogos do Brasil acompanhei com meus colegas universitários (os outros dois vi com minha então nova namorada). As reuniões para ver a seleção não eram casuais. Havíamos decidido que veríamos cada jogo na casa de alguém. O mais comum de um jovem matriculado numa faculdade é que ele faça parte de um grupo. E o meu grupo se manteve unido no evento mais agregador da cultura brasileira. O que rendeu bons momentos.

O anfitrião sempre oferecia o almoço da galera, uma vez que os jogos eram à tarde. Assistimos, do início ao fim, a campanha aos trancos e barrancos da seleção brasileira. Às vezes dava uma engrenada, como nos jogos contra Marrocos e Chile, às vezes empacava, como na derrota para a Noruega e... bem, vocês sabem quando. Mesmo com placares bem animados, o time não conseguia criar empatia com os torcedores. Ronaldo, ainda magro (compare o jogador de 98 com o peso-pesado que apareceu na Alemanha: é covardia), vinha de lesão e tinha suas atuações cercadas de expectativa. O meio-campo era torto, recheado de canhotos como Leonardo, Rivaldo e o reserva Denílson. A defesa inspirava cuidados aos cardíacos, com o tresloucado Júnior Baiano e o inseguro Aldair. Roberto Carlos não era criticado, ainda, pela idade, mas pela soberba com que dizia asneiras e com a qual se achava o melhor lateral-esquerdo do planeta. Pra piorar, o clima era de incredulidade depois do corte de Romário, por muitos atribuído a uma suposta crise de ciúmes do coordenador-técnico Zico. De positivo, só se salvaram Taffarel, Cafu (sim, acredite, ele saiu do Brasil quase a pontapés e se redimiu com boas atuações) e César Sampaio, que chegou a ser o artilheiro do time até as semifinais. Era uma seleção que misturava veteranos em má fase com jovens inexperientes, sem comunicação entre si, um problema que se resolveria com o tempo, e que foi visivelmente sanado quatro anos depois.

No banco, Zagallo comandava o time. Seu erro foi ser auto-confiante demais. O Brasil treinou pouco, sem se dedicar aos amistosos enquanto as outras equipes disputavam as eliminatórias (naquela época, a seleção campeã se classificava automaticamente para a Copa seguinte). Além disso, muitos confiavam na sua suposta "predestinação" (ninguém lembrava de que Zagallo também perdeu muitas vezes, como em 1974) e suas atitudes algo folclóricas eram suficientes para criar uma simpatia com uma boa parcela da imprensa e dos torcedores. Assim, Zagallo foi para a França tentar o penta praticamente acreditando na mística, em detrimento dos raros treinamentos. A figura ascética ganhou força nas semifinais, na classificação nos pênaltis após um jogo inesquecível contra a Holanda, no qual o Brasil se arrastou em campo, demonstrando um preparo físico extremamente precário. Antes das cobranças fatais, o técnico foi flagrado pelas câmeras de TV com os punhos cerrados, motivando os jogadores, um a um. A classificação para a final veio e Zagallo, ao lado de Taffarel, foi considerado herói.

Lembro que foi uma Copa animada, no geral. Muitos gols, jogos memoráveis, como o já citado Brasil 1 x 1 Holanda, França 1 x 0 Paraguai, famosa partida em que os sul-americanos seguraram os anfitriões com muita garra e foram eliminados no gol de ouro, a poucos minutos do fim da prorrogação, e Argentina 2 x 2 Inglaterra, jogaço decidido nos pênaltis - favoráveis à Argentina - com lindos gols marcados, expulsão de Beckham forçada por Simeone e muita raça dos dois lados, fortalecendo a rivalidade entre os dois países, criada desde a Guerra das Malvinas e acirrada com os gols de Maradona de 1986, o de Deus e o de placa.

Apesar do desfecho frustrante para os brasileiros, até guardo boas lembranças do Mundial, porque associo-as a uma época muito agradável da minha juventude, adornada pela convivência com amigos tão queridos das duas faculdades em que estudei. A derrota para a França, no fim das contas, convulsões e teorias conspiratórias à parte, significou o mesmo que uma nota ruim tirada numa prova importante: ela deixa você decepcionado e triste, mas a vida universitária, com os amigos, histórias e piadas, injeta bom humor e alegria em tudo.

1 Comentários:

Em 12:06, Blogger Daniel F. Silva falou...

De fato, a derrota para a França naquela decisão não foi tão lamentável - aconteceu o que tinha que acontecer, os franceses tinham mais time. Pra falar a verdade, o Brasil nem deveria ter chegado àquela partida. Uma final mais justa seria Holanda x França.

 

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