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Tentando dar alguma razão à emoção do futebol

29 de jun. de 2006

As Copas que vivi (III) - 1994

escrito por Raphael Perret @ 23:40


Mesmo que a Suécia colocasse todo seu time para marcar Romário, o Baixinho faria o milagroso gol que pôs o Brasil na final: a seleção mostrava ao mundo ser possível aliar o talento ao rigor tático


Quase nada nos dava muita esperança de que o tetracampeonato viria nos EUA, há 12 anos. A seleção fez sua pior campanha nas eliminatórias. Chegou a perder um jogo pela primeira vez naquela competição, vê se pode! O time herdou muitos jogadores da geração anterior, derrotada na Itália, em 1990. Já estávamos há 24 anos na fila e compartilhávamos o já banal status de tricampeão com a Itália e a Alemanha. Com quinze anos de idade, eu nem sabia o que era ser campeão do mundo e as decepções precedentes só me deixavam escaldados para mais uma frustração.

Mas estávamos na torcida. Queríamos vibrar juntos, gritar em coro, xingar em uníssono, sofrer compactuados. Decidimos, então, organizar tudo. Preparar o melhor ambiente possível para que a garotada do edifício Roma, em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, comemorasse o tetracampeonato com a merecida emoção.

A Copa para nós não começou quando a campeã, Alemanha, derrotou a Bolívia, nossa algoz nas eliminatórias, no jogo de abertura. Resolvemos enfeitar o trecho da rua em frente ao prédio. Na época, não havia shopping Iguatemi, mas o simpático campo do América. A via ainda não tinha pistas duplas, ou seja, ainda era estreita e não nos daria muito trabalho. O pior, para mim, era a primeira tarefa: coletar dinheiro para bancar a empreitada. Conseguimos arrecadar o suficiente para o que queríamos pedindo aos moradores e aos motoristas, num pedágio semelhante ao imposto aos calouros nos trotes universitários. Depois de juntar grana empurrando carro enguiçado e tentando explicar aos motoristas que não éramos pivetes, pusemos a mão na massa e na tinta. Isolávamos metade da rua na madrugada para pintar a outra parte do asfalto, e vice-versa. De manhã, já era possível avistar, das varandas, uma enorme águia vestida de Brasil cravada sobre a rua. Mas a via não foi o único alvo dos enfeites. Compramos dois tecidos, um verde e outro amarelo, e com a ajuda da minha avó e de suas habilidosas mãos costureiras, fizemos uma gigantesca bandeira retangular, com uns 30 metros de comprimento, e a penduramos numa das faces do edifício.

Paramentados como desejávamos, chegava a hora do programa mais prosaico: assistir aos jogos. Um de nós era escalado para pedir ao seu responsável a TV emprestada durante algumas horinhas. Uma negociação com o síndico permitiu que pudéssemos ver as partidas no salão de festas. Ritual sagrado, repetido nos sete jogos do Brasil naquela Copa. Uma gritaria se alastrava pelo playground imediatamente após um gol da seleção. Suspiros femininos ecoavam pelo salão à medida que Raí e Leonardo apareciam no vídeo. Os jovens, todos, com seus 15, 16, 17, 18 anos, abraçados, em correntes, tensos, nervosos, assistiram ao the end mais tortuoso que uma Copa jamais proporcionou: a disputa por pênaltis na decisão.

Perder aquela final seria um cruel castigo para o Brasil. A seleção foi superior a todos os seus adversários, exceto nos momentos em que sofreu seus três únicos gols na Copa (um da Suécia e dois da Holanda). A muralha trrinada por Parreira funcionou perfeitamente. Só faltou ao meio-de-campo um poder de criação mais presente, o que abriria, sem muito sofrimento, o caminho para as vitórias. Por sorte, o Brasil tinha uma dupla de ataque fantástica, no auge da forma, composta por Bebeto e Romário. Os dois, quando exigidos, corresponderam e resolveram a parada. Sobretudo o Baixinho, por quem nutria uma incansável antipatia, pela presunção notória e pela inflamação da mídia, a meu ver exagerada (o grande exemplo veio na capa do Globo no dia seguinte ao triunfo de 1 a 0 sobre os EUA, gol de Bebeto com passe do companheiro de ataque: "Romário dá vitória ao Brasil"). Hoje, não posso fechar os olhos para a frieza, segurança e boas atuações de Romário na Copa de 94. Sem ele, provavelmente amargaríamos mais quatro anos de jejum de títulos mundiais. O futebol de Romário (e o de Bebeto também, façamos justiça) nos EUA foi a prova de que o Brasil não precisava ser afetado pela era do pragmatismo. Se a Copa de 1990 foi o marco inicial do domínio do futebol de negócios e do defensivismo excessivo, teoria segundo a qual a marcação é um atributo mais importante que a criação, o Brasil de 1994 mostrou que o time poderia ser seguro na defesa e não apenas forte no ataque, mas também objetivo e talentoso. A conseqüência mais visível desta vitória foi o fortalecimento do futebol brasileiro, que ainda sobressai em meio ao jogo das seleções mais "modernas", graças à habilidade de nossos jogadores, e a própria melhora dos jogos nesta Copa e nas seguintes, com mais gols e jogadas mais marcantes, comprovando ao mundo que é possível unir talento e segurança. Nascia o futebol do equilíbrio.

E foi com esse futebol que ganhamos o tetra. Burocrático, sofrido, emocionante e difícil, com poucos gols e um desespero do início ao fim, principalmente das oitavas em diante. No fundo, sabíamos que o Brasil seria campeão. A derrota não passava pela cabeça de ninguém. Daí vinha a nossa obstinação em tornar aquela Copa inesquecível. Cada jogo era o ato de uma peça da qual todos sabiam o desfecho e onde cada um cumpria seu papel. O da seleção era jogar. O de nós era torcer. O final era Dunga levantando a taça. Igualzinho ao que estava no script. No nosso script.

1 Comentários:

Em 13:17, Blogger Ricardo Levy falou...

Fala Raphael
Lembro d 94 e m lembro q realmente era totalmente diferente d agora. Saimos como totais favoritos esse ano e voltamos sem o título
E em 94 fomos totalmente desacriditados e fomos campeões
Coisas do futebol
Escrevo junto com outros 3 estudantes de jornalismo em um blog e gostariamos muito de receber sua visita

http://www.diletra-nacopa.blogspot.com/

Obrigado

 

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