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Tentando dar alguma razão à emoção do futebol

8 de jun. de 2006

As Copas que vivi (II) - 1990

escrito por Raphael Perret @ 00:36


Ricardo Rocha e Mauro Galvão não conseguem evitar o toque de Maradona para Caniggia no Mundial da Itália: triste fim de uma seleção perdida, simbólico início do futebol-business


Pensando bem, o título deste post está inadequado. O Mundial de 1990 foi uma Copa que não vivi. Para comprovar, volto a 1986. Sou capaz de lembrar todos os gols do Brasil e seus autores. Natural, a primeira Copa a gente nunca esquece. Então, avancemos até a Itália, palco do espetáculo quatro anos depois. Mudança de década, de presidente, de faixa etária.. Se os brasileiros se frustravam com as medidas insanas de Fernando Collor, eu experimentava intensas mudanças hormonais, próprias da puberdade. Tudo era confuso, fosse no âmbito privado, fosse na esfera pública.

E no mundo da esfera principal, isto é, a bola, as coisas também fugiam da normalidade. Depois de uma classificação dificultada pelas armações chilenas, que incluíram uma guerra em Santiago e um providencial abandono de campo causado por um foguete que caiu a metros do goleiro Rojas, no Rio de Janeiro, o Brasil ia à Copa sem despertar uma confiança ampla, geral e irrestrita. Também, com Eurico Miranda como chefe de delegação, Sebastião Lazaroni como técnico e Müller como atacante titular em detrimento de Bebeto, Romário (vá lá, machucado) e Renato Gaúcho, o que esperar de bom da seleção?

O ambiente estava contaminado. Empresários discutiam contratos na concentração e uma briga com a patrocinadora Pepsi obrigou os jogadores a posar para a foto oficial cobrindo com a mão a marca da companhia estampada no agasalho. A intervenção do business no símbolo maior do esporte brasileiro foi a pedra fundamental da era do futebol de negócios, que recrudesceria ao longo dos anos seguintes, com um pouco mais de discrição, mas não menos sutil. Basta reparar que, a partir de 1990, pelo menos 10 jogadores convocados para a seleção pertenceriam a clubes do exterior, enquanto nas Copas de 82 e 86, apenas dois atletas eram considerados "estrangeiros".

Dentro de campo, o escrete não empolgou. Derrotou Suécia (2 a 1), Costa Rica (1 a 0) e Escócia (1 a 0), três sufocos, sem convencer, sem produzir jogadas marcantes, sem fazer muitos gols, sem dar mostras de que poderia, em algum momento, encantar. Ao contrário: sua única capacidade era atemorizar os torcedores com uma saída precoce da Copa. Por mais paradoxal que pareça, a definição do adversário seguinte era, de certo modo, um alívio: a então campeã Argentina.

O confronto sul-americano só aconteceu nas oitavas porque o time de Maradona fez uma péssima primeira fase, classificando-se em terceiro lugar do seu grupo de quatro seleções. A Argentina abriu a Copa perdendo de 1 a 0 para a surpresa daquele Mundial, o time de Camarões. O resultado era tão inimaginável que desconfiei de meu colega de 6ª série, portando um walkman, ao lhe perguntar, durante a aula de matemática, quanto estava a partida. Depois, os russos sofreram na mão do juiz sueco Erik Fredriksson, que lhes surrupiou um pênalti, ao ignorar um toque proposital do braço de Maradona dentro da área argentina, e que deu continuidade a um lance em que um portenho foi derrubado, segurou a bola com os braços e deixou Burruchaga roubá-la com os pés, para marcar o segundo gol da vitória da Argentina por 2 a 0, numa jogada típica de pelada infanto-juvenil. Por fim, ainda me vem à cabeça a imagem de um Maradona se ajoelhando no gramado e agradecendo a Deus um suado empate com a Romênia em 1 a 1, valendo a passagem para as oitavas.

Diante de um adversário com um retrospecto desses, o Brasil só tinha a temer o nome e a tradição de seu maior rival. A seleção entendeu o contexto e fez sua melhor exibição na Copa contra a Argentina. Dominou o jogo inteiro, mandou três bolas na trave e perdeu diversas chances. Azar? Sim. Incompetência? Também. O time foi incapaz de conter a progressão de Maradona e o lançamento para Caniggia, livre, fazer o gol da classificação aos 36 minutos do segundo tempo. Um gol que impôs o silêncio na sala da casa da minha avó, onde dividimos, eu e ela, sós, a torcida pelo Brasil em todos os jogos daquele torneio. Sem batuque, sem bandeiras, sem festas. Como a Copa do Mundo de 1990 exigia.

***

Se o Mundial já não empolgava nem nos jogos do Brasil, que dirá nos demais confrontos. Os mais memoráveis foram os que envolviam Camarões. Nas oitavas, contra a Colômbia, Roger Milla rouba a bola dos pés do folclórico Higuita que, claro, estava adiantado, e faz um gol visualmente antológico. Em seguida, os africanos fazem um jogo de arrepiar com a Inglaterra: 3 a 2 conquistados na prorrogação pelos britânicos, com duas viradas de cada equipe. Não lembro disso, mas um amigo conta que os camaroneses, já perdendo, insistiam em tocar bonito. Para quem não tem compromisso com a conquista do título, exibir um futebol vistoso não era um luxo, mas um prazer lúdico.

A evolução de Camarões na Copa de 1990 assinalou o início da maturidade do futebol africano, processo que, hoje, ainda não chegou ao seu final.

***

Mesmo as semifinais disputadas por quatro seleções campeãs mundiais (Itália, Argentina, Alemanha e Inglaterra) não me entusiasmei com a seqüência da Copa sem Brasil e Camarões. Lembro-me das seguidas classificações da Argentina nos pênaltis, graças à boa atuação do goleiro Goycochea. Lembro-me das sofridas vitórias italianas por 1 a 0 com gols de um reserva, Totó Schilacci, que se tornaria o artilheiro do Mundial. Lembro-me dos poucos gols de todas as partidas da fase eliminatória.

Não pude assistir à final entre Alemanha e Argentina porque estava em trânsito, no banco de trás do carro dos meus pais. Não podia oferecer resistência, seja lá qual fosse o destino. No fundo, nem queria. Conformei-me em ouvir a partida no walkman. Vitória germânica, placar mínimo, gol de penalidade máxima, sobre o outrora herói Goycochea. Desfecho mais apropriado, só uma decisão por pênaltis vencida por 1 a 0. Ufa. Acabava uma Copa da qual somente o povo alemão se lembrará com verdadeira comoção e alegria.

5 Comentários:

Em 09:54, Anonymous Anônimo falou...

olha que sou BEM (ahuauha) mais novo que tu e lembro mais de 86 do que 90.

que coisa, não? porém, meio que lembro como foi sofrido ouvir a partida contra o chile (no maracanã) num radinho posto na sala. tu tava aqui em casa? acho que tinha mais gente.. seria a memória um implante?

 
Em 09:57, Anonymous Anônimo falou...

ae, onde tu arruma essas fotos da copa? no google? sábado 16h nossa seleção vai fazer sua estréia!

 
Em 10:27, Blogger Raphael Perret falou...

Acho que não, acho que eu estava na minha avó. Quando começou a confusão, a televisão começou a exibir e aí ficamos vendo.

Qual seleção, cara-pálida? Não sabia que você era britânico. Ou seria paraguaio? :)

As fotos eu acho no Google. A do Maradona foi num site www.vivadiego.com, hehe.

 
Em 11:17, Blogger Daniel F. Silva falou...

Aquela foi a única Copa do Mundo em que, depois da eliminação de Camarões, fui alemão desde criancinha... :-)

Falando sério, aquele Mundial foi tão ruim que a Alemanha Ocidental (que se uniria à Oriental apenas três meses depois de ser campeã) foi a "menos pior" seleção - e, portanto, o título foi justo. Isso pra vocês terem uma idéia do nível técnico sofrível da competição...

 
Em 23:58, Blogger Unknown falou...

esse ai é o meu tio um grande ex-jogador

 

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